terça-feira, 1 de janeiro de 2008


Dia Branco
Eva permanecia encostada no parapeito do terraço no último andar do edifício, observando a selva de cimento, agora quieta e parada. A madrugada bafejava gotículas dançantes de humidade tornando o citadino e o cosmopolita em quase onírico. Apenas o pensamento por dentro permitia estar por fora, inerte, parada, aparentemente suspensa no tempo.

Este - acreditava Eva - era um Dia Branco. Um dia sem tempo. Sem futuro, nem passado, só presente. Eva, com a suas rugas na Alma, ergueu-se, não com os pés ou as pernas, mas nas asas que acredita embainhadas na zona anterior do corpo. Sobe com suavidade ao parapeito e caminha na corda bamba, ao longo da aresta extrema do edifício. Parece fácil brincar com as probabilidades. Divertido até. Esboça um sorriso e este dá-lhe alento às asas. Aparentemente equilibrada, Eva é feita de desequilíbrio. O desequilíbrio que faz faltar espaço para o corpo, em que a esperança se envaidece frente ao espelho e se mascara de sorte ou de azar.

Agora que Eva saltita, chegando ao primeiro vértice e gira no sentido da aresta seguinte, o terraço parece pequeno e o parapeito parece estreitar-se.

Eva sabe que este é um Dia Branco... pode ser o que quiser. Apenas probabilidades, sem certezas, mas por isso mesmo, possibilidades. A neblina matinal permanece, enfeitando um espaço sem tempo, que não passa e apenas permanece.

Torna-se doce brincar com o bater do coração. Eva dança. Eva dança, rodopia, mistura-se com a neblina. Termina a volta ao edifício. Arestas com vértices, vértices com arestas, parapeitos transformados em cordas bambas, Eva, funâmbula do momento.

O Anjo sabe quais as suas probabilidades e em passo de artista pretende o desequilíbrio. Lança-se no espaço que cria inexistente. Afinal ele existe. Eva lança-se no abismo. O longo vestido branco descende em espiral e mistura-se com as asas. O que está por dentro transporta-se, enfim, para fora. Afinal as asas também existem. Eva pensa que é por ser um Dia Branco.

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